Que a sua mensagem de trabalho e dedicação a terra e ao homem deste Nordeste torturado, sejam transformadas em ondas, e que encontrem ressonância na compreensão e memória móvel de nossos dirigentes e elites políticas.

(Lauremiro Almeida)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Grande simplicidade

A mim me foi dada a missão de em nome da família, redigir algo sobre
Lauro Xavier.
Não considero esta uma tarefa fácil, pois não tenho muita prática na arte de
escrever.
Aqui pretendo eu ater-me mais no Lauro família, no avô maravilhoso que
ensinou-nos a todos o amor e respeito pela natureza, pela vida, pelo
planeta.
Falarei aqui no Lauro que me ensinou a conhecer e amar as plantas
através do tato, pois sou deficiente visual.

Seu amor pela natureza era tal que chegou a comprar uma árvore na cidade
de Areia, sua terra natal. Ele estava viajando quando viu uma enorme
árvore sendo cortada. Perguntou ao homem que a estava cortando de quem
era a propriedade. Informado sobre o dono, dirigiu-se até a casa da
fazenda e como não podia comprá-la, comprou a árvore. Após a compra, ele
a passou em cartório para a Escola de Agronomia de Areia.
Dentre todas as coisas que eu admiro nesta pessoa maravilhosa, há duas
que eu gostaria de destacar:
A primeira, é a sua grande simplicidade, a outra, o seu grande
idealismo. Foi ele o precursor de uma luta que hoje muitos já abraçaram,
mas ele abriu trincheiras, chegando algumas vezes a ser mesmo
ridicularizado por algumas pessoas.
Eu posso dizer que Lauro foi um homem à frente do seu tempo. Foi de uma
certa forma um solitário, pois àqueles a quem é dado um tal idealismo e
uma visão que vá além do seu tempo acabam ficando meio só e muitas vezes
não chegam a ser compreendidos pela grande maioria das pessoas.
Mas, como já disse, quero falar mais sobre o privilégio de ter por tanto
tempo convivido com Lauro Xavier.

Recordo-me com clareza e ternura aquele avô maravilhoso que muitas vezes nos
encheu de balas, que levantava cedinho no dia de Natal a fim de
enfeitar uma árvore com balas e chocolates para que nós os seus netos
pensássemos que era o Papai Noel. Nunca o ouvi levantar a voz. Ele não
precisava fazê-lo. A sua simples presença já nos inspirava respeito. Não
era medo que tínhamos dele, mas antes um respeito cheio de carinho.
Apesar de seu engajamento nas lutas pela preservação da
natureza, era sempre muito presente na vida de todos nós. Dava sempre muito
valor a família, nunca deixando de participar nas mínimas coisas que nos
diziam respeito.

Foi sempre um grande incentivador meu. Gostava sempre de me ver lendo e
mesmo quando o livro não existia em Braille, ele sempre me presenteava
com um quando eu manifestava o meu desejo em lê-lo.
Lembro-me agora que foi exatamente um livro o último presente que ele
me deu.
Tínhamos uma convivência muito próxima, pois morávamos muito pertinho e
tínhamos duas casas em Camboinha. Nem ao menos um muro havia
separando-as.
Foi mais lá que em qualquer outro lugar que convivi e aprendi com ele.
Ali no seu pequeno sítio, ele me ensinou a plantar e também através do tato, a acompanhar o
crescimento das plantas.
Para nós, ele não era apenas o homem que brilhava na
imprensa, não era o homem que era solicitado por governantes para
opinar sobre problemas ambientais, não era o homem combativo, o leão
protetor da natureza. Ele era mais, muito mais que isso:
era o homem de maneiras sempre gentis, o visitante sempre constante nas
nossas doenças infantis.

Foi por meio dele que soube eu da minha aprovação no primeiro concurso
público que participei.
Era também uma pessoa bastante politizada. Recordo quando na época da
ditadura ele dizia entre surpreso e tristonho: "cassaram fulano,
cassaram aquele meu amigo!"
Eu era bastante pequena nesta época e não sabia ainda o significado do
que aquilo queria dizer, mas não sei por que esta frase nunca me saiu da
cabeça.
Voltando ainda um pouco no tempo, lembro-me que foi dele o
primeiro disquinho que ganhei. Não era um disquinho de estorinhas
infantis , mas um
compácto com a música Roda Viva do Chico Buarque. Eu a ouvi certa vez e
simplesmente me apaixonei por ela.
Relembro com saudade das eleições que juntos acompanhávamos.
Viveu cada momento que este país atravessou e nunca deixou de acreditar num Brasil melhor, sem tantas desigualdades sociais, onde todos fossem respeitados, inclusive a
natureza.

Morreu como uma árvore, silenciosamente. O seu espírito libertou-se
como um pássaro que após anos de cativeiro deixa a gaiola. Foi-se dormindo e hoje seu
corpo repousa embaixo de uma árvore, e os seus restos mortais certamente
alimentam com muito amor o planeta que tanto amou, protegeu e pelo qual sempre
lutou.
Maria Angela Xavier de Moraes

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